Imaginem-se com dez anos. Lembram-se? Aquela passagem para a escola preparatória, mudar de amigos, a novidade dos muitos livros e disciplinas, o medo de se perderem na escola tão grande e com tanta gente.
Agora imaginem que a vossa mãe adoece. É grave e degenerativo, pelo que a partir daí só a vêem piorar. Ano após ano, a vida toda em volta daquela que era a alegria da casa murcha, apodrece, deteriora-se.
Vocês têm agora quinze anos e uma das vossas rotinas é ir ao quarto de onde a vossa mãe já não sai para se certificarem que ainda está a respirar. Não está. Morreu e vocês estão sozinhos em casa com o vosso irmão mais novo.
A partir daí há um alívio pelo fim do sofrimento de um dos pilares da vossa vida. E há a perda. Queríamos que ela ficasse connosco, mesmo doente, podia ser que ainda houvesse outra cura, outro tratamento que resultasse. Quem é que nos vai agora ensinar a ser mulher, interceder pelos nossos namoricos, pegar ao colo?
Vocês sentem-se na obrigação de crescer ainda mais, de tomar conta da casa e da família que vos resta.
O pai encontra uma namorada, o conflito é permanente. Vocês não aceitam outra mulher.
Três anos depois de terem perdido a vossa mãe, os dezoito anos acabados de fazer, o vosso pai desesperado, louco, perde a cabeça e mata a namorada. Acontece tudo em frente à vossa casa. Logo a seguir, o pesadelo continua e o vosso pai tenta suicidar-se.
Está montado o circo de pessoas curiosas e comunicação social. Mesmo à porta da vossa casa.
No dia seguinte tentam alguma normalidade e vão à escola. Está à porta a senhora Serenella Andrade - para só mencionar uma e a que me pareceu a situação mais ridícula - à espera para falar "com a família da vítima" e de caminho, se possível, alimentar mais um pouco esse animal sedento de sangue que é o público.
Para onde quer que se virem há comentários sobre o caso, informações cruzadas, mentiras, imprecisões e isso tudo magoa, revolta e prolonga o sofrimento de toda a gente envolvida. Há uma foto que foi publicada, saiu sabe-se lá de onde. É o nosso pai feliz e de férias quando o vemos agora no hospital e com a cara desfeita pela munição que (não?) cumpriu o propósito. A impotência de haver estranhos a mexer nas nossas memórias, a perda do direito à privacidade.
Felizmente vivemos num país onde de tão raras, estas notícias conseguem alimentar as notícias durante vários dias.
Fazendo o simples exercício de nos colocarmos no lugar destas pessoas, mesmo não sabendo toda a extensão da estória, será que é pelo preço justo que vasculhamos as suas vidas?
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
domingo, 24 de janeiro de 2010
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
Healing Process
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
A Grã Cruz da Ordem de Cristo e a regra.
Então mas afinal uma distinção obedece a uma regra? E assim sendo qual é o mérito?
Só sei que se tivesse uma dessas hoje deitava-a fora. Passou a insulto.
Só sei que se tivesse uma dessas hoje deitava-a fora. Passou a insulto.
Admiro a autoconfiança do senhor, que estava hoje às oito da manhã à espera do médico dentro de um impermeável branquinho com o rato Mickey, que lhe permite não só sair de casa numa indumentária destas como chamar toda a atenção a si mesmo gritando em grosso vozeirão - Há pessoas à espera! - quando uma desgraçada acabada de chegar se aproxima e faz o teste das portas fechadas.
Aquele grito teria sido muito intimidador não fosse o kispo branco com o rato Mickey.
Aquele grito teria sido muito intimidador não fosse o kispo branco com o rato Mickey.
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Coisas estúpidas que me acontecem VII
Estaciono o carro ao pé duma obra e preparo logo os ouvidos. Não seria a carga de água do momento que iria impedir aquela fauna de se manifestar.
Saio do carro, tiro o meu saco-troley para ir às compras e começam logo os risinhos e comentários abafados pelo som do temporal e do meu cérebro a gritar "Cabrões."
Para cúmulo, pensei eu, ainda tiveram o descaramento de vir atrás de mim, chamar-me "olhe! olhe!" e eu muito empertigada sem olhar, por isso: toque no braço.
Ao que me viro e rosno: "O que é que foi?!"
"Desculpe, mas é que deixou cair um sapato."
O meu carro é o cemitério dos sapatos canibais que já me deixaram os pés em sangue e mesmo assim não consigo deitá-los fora. Lá estava uma sandália, linda, toda ensopada. Também ela a rir-se da minha cara tacho, a mula.
Saio do carro, tiro o meu saco-troley para ir às compras e começam logo os risinhos e comentários abafados pelo som do temporal e do meu cérebro a gritar "Cabrões."
Para cúmulo, pensei eu, ainda tiveram o descaramento de vir atrás de mim, chamar-me "olhe! olhe!" e eu muito empertigada sem olhar, por isso: toque no braço.
Ao que me viro e rosno: "O que é que foi?!"
"Desculpe, mas é que deixou cair um sapato."
O meu carro é o cemitério dos sapatos canibais que já me deixaram os pés em sangue e mesmo assim não consigo deitá-los fora. Lá estava uma sandália, linda, toda ensopada. Também ela a rir-se da minha cara tacho, a mula.
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